À base da decisão dos apóstolos tomada no Primeiro Concílio Apostólico da Igreja Cristã, conforme Atos dos Apóstolos 15, pergunto como a Igreja encara: 1.) Comer sangue, carne de animais sufocados e coisas sacrificadas a ídolos? 2.) As relações sexuais ilícitas?
O capítulo 15 do Atos dos Apóstolos trata de uma controvérsia doutrinária que deu origem a uma grande discussão na igreja cristã primitiva. Um grupo de “judaizantes” ( judeus que se haviam convertido ao cristianismo ), queria impor aos cristãos gentílicos ( gentios que se haviam convertido ao cristianismo ), as leis cerimoniais do culto judaico do Antigo Testamento, ou, mais precisamente, a circuncisão, bem como as questões destacadas na pergunta. Após exame da questão e caloroso debate ( versículo 6 e 7 ), os apóstolos reunidos em concílio chegaram à seguinte recomendação que deveria ser divulgada entre as igrejas: os cristãos gentílicos não precisariam ser submetidos à circuncisão, mas deveriam se abster de comer sangue, carne de animais sufocados, coisas sacrificadas a ídolos e de praticar relações sexuais ilícitas. A dificuldade surge no fato de que os cristãos, hoje, continuam livres da obrigação de serem circuncidados, continuam impedidos de praticar relações sexuais ilícitas, mas não se abstêm de comer sangue e carne de animais sufocados. Como explicar isso? Analisemos a questão em partes: 1- A circuncisão e a questão de comer sangue, carne sufocada, e coisas sacrificadas aos ídolos: Note-se que a recomendação em relação a esses três pontos tem as mesmas características: não são revestidos de proibição ou ordenança e têm caráter de liberdade cristã. Os cristãos gentílicos não foram obrigados a se deixarem circuncidar ( mas podiam faze-lo, se o quisessem ), como também eram convidados a se absterem de comer sangue e carne de animais sufocados ( mas não eram proibidos de consumir esses elementos ). A explicação para essa recomendação era o fato de essas práticas estarem profundamente enraizadas nos costumes judaicos transmitidos pelos ensinamentos ministrados nas sinagogas espalhadas em toda a parte ( cf. v. 21 ). A prática dessas coisas, em qualquer lugar, por conseguinte, seria motivo para escândalo e tropeço, tanto entre judeus cristãos como entre judeus ainda não convertidos ao cristianismo. Assim, a determinação do Novo Testamento de se abster de comer sangue, carne de animais sufocados e coisas sacrificadas aos ídolos é uma medida de amor, não uma lei restritiva. Acontecia que os cristãos gentílicos procediam de ambientes em que praticar essas coisas era absolutamente normal. Esse costume, porém, poderia por em risco a fé dos cristãos procedentes de ambientes judaicos. Em nosso meio, em que coisas não provocam mais esse escândalo e nem põem em cheque a fé das pessoas, temos liberdade de decidir sobre o uso dessas coisas. Essa é a razão por que a Igreja Luterana não impõe restrições a comer sangue e carne de animais sufocados. A questão de coisas sacrificadas a ídolos carece de uma explicação adicional. Essas coisas eram, principalmente, a carne que sobrava dos sacrifícios pagãos vendida nos mercados públicos. Os judeus se escandalizavam com os cristãos gentílicos que compravam e consumiam essa carne naturalmente. Por isso, elas estavam sob a mesma recomendação que envolvia o consumo de sangue e de carne de animais sufocados. Como essas coisas faziam parte da lei cerimonial, podiam ser suprimidas, ou seja: não precisam obrigatoriamente ser observadas pelos cristãos. Comer sangue ou carne sufocada não é pecado, mas pode se constituir atitude de falta de amor, quando escandaliza cristãos fracos. Nesse caso, a falta de amor será pecado, não o comer sangue. Estamos livres dessa obrigação pelo sacrifício de Cristo que cumpriu toda a lei em nosso lugar. Por isso, o apóstolo Paulo diz: “Ninguém vos julgue por causa de comida ou bebida…” ( Colossenses 2.16 ). Assim como os cristãos podem deixar de se circuncidar – o que era uma lei na igreja do Antigo Testamento – assim os cristãos também podem deixar de cumprir as proibições antigas do comer sangue e carne de animais sufocados. Ambas as leis são cerimoniais e, por isso, inaplicáveis no Novo Testamento. 2 – Relações sexuais ilícitas: O caso das relações sexuais ilícitas, embora conste dom mesmo capítulo e da mesma recomendação apostólica,é diferente do comer sangue e carne de animais sufocados. As relações sexuais fazem parte da Lei Moral, os 10 mandamentos, mais precisamente, o mandamento que se trata do adultério. Por isso, essa recomendação apostólica que se refere às relações sexuais ilícitas continua em vigor na igreja do Novo Testamento. E, por isso, a diferenciamos do comer sangue e carne de animais sufocados. Isto está na Lei Moral à qual todos os povos, de todo o mundo em todo tempo, estão sujeitos. A decisão dos apóstolos em Atos 15 conclama os cristãos e viverem no amor e ,em nome desse amor, não escandalizarem cristãos fracos, nem com atitudes que, em si, não sejam pecado, nem com coisas francamente proibidas. Essa decisão tornou possível a convivência entre cristãos de origem judaica e cristãos de origem gentílica e também evitou que o cristianismo ficasse resumido a uma mera seita do judaísmo, em que se desse continuidade aos sacrifícios cerimoniais do Antigo Testamento cuja função era apontar para Cristo, o qual não precisava mais dessa sombra ( Colossenses 2.16 ). É isso que o apóstolo diz nos versículos 10 e 11, quando adverte os demais apóstolos e presbíteros a não imporem aos cristãos gentílicos um jugo ( leis ) que nem os judeus podiam suportar e quando lembra que não é pelo cumprimento de prescrições, mas pela graça de Cristo que somos salvos.